segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Um amor chamado Nina

Foi durante uma madrugada chuvosa, fria, com muito vento e escuridão que ela se perdeu da mãe e dos irmãos. Apesar dos contras e do pouco tempo de vida, venceu intempéries, carros, distâncias e outros tantos perigos. E foi numa manhã nublada e fria que, ao abrirmos a porta da cozinha, ela nos surpreendeu: um tarequinho focinhudo, aninhado debaixo de um banco. Estava tão exausta, frágil, que mal olhou pra gente e preferiu voltar a dormir. O mundo, afinal, não tinha sido lá muito gentil com ela até então.

Os anos se passaram, mas as lembranças desse início turbulento permaneceram com ela. Os traumas vinham à tona ao primeiro sinal de chuva e trovoada, de rojão, de sensação de abandono. Entretanto, não só o medo, mas também a força e a vontade de viver se mantiveram junto dela. Vontade que não só trouxe ela até aqui naquele dia, mas que, mesmo com o corpo sofrendo as consequências da idade, a fez resistir, e com ela permaneceu até o fim, 15 anos depois.

Foi uma jornada de convivência intensa, constante. Muitas foram as tardes em que praticamos jardinagem juntas. Ela me dava apoio moral, sentada do lado, observando tudo bem de perto. Até cheirava flor! Mas seu forte mesmo era cavar. Inclusive o que eu tinha plantado. Me deixava tiririca...tsctsctsc.

Praticamos horas e horas de fotografia também. Até ela criar aversão por câmeras. Mas Nina era ótima, tanto como modelo quanto como assistente. Gostava mesmo era de participar.

A danada era implicante. Não gostava que eu ficasse muito tempo no computador ou costurando, e viria várias vezes com o focinho tirar minha mão do mouse ou do teclado, me carimbando com aquele nariz molhado até que eu parasse tudo pra me ocupar com ela ou, finalmente, me levantasse pra gente brincar. Aí a coisa ficava séria: destruição de potes, batalhas com tapetes, toalhas e pula-cela, investidas, corridas, arranhões... até cansar. 


Também era rebelde. Mesmo tendo uma casa pra dormir, havia tempos em que cismava em bancar a sem-teto e dormia no quintal, aninhada debaixo de uma árvore. Fosse calor, fosse frio. Foi assim nos dias de parto também, com a gente do lado dela, em jornadas que duravam horas, noite adentro. Com o tempo, concluiu que o melhor lugar pra dormir, e dormir o quanto quisesse, era justamente aqui, na nossa porta. Tava decidido, e foi assim, numa relação de coração e portas sempre abertos, sem cerimônia, que a gente viveu. Acabou sendo o que a gente mais fez juntas, até o fim. 



Na última semana, soubemos que teríamos que nos despedir. Dessa vez não foi um até logo, um vou no mercado, espera aí que já volto. Foi o adeus amargo e definitivo a uma parceira, companheira, cúmplice em tantas traquinagens. Quem a conheceu, provavelmente vai lembrar de ter sido calorosamente recebido, e quem conviveu com a Nina pode entender a dor que essa perda significa. Mesmo que a gente passe a vida sabendo disso, não torna as coisas mais fáceis.
Nesse tempo juntas, a gente foi amiga e também a família uma da outra, se protegia e se entendia como ninguém. Doeu ter como única opção para o bem estar dela desliga-la dessa realidade, sabendo o quanto continuava lúcida, atenta a gente e ao que rodeava ela. Se manteve forte, firme, doce, mesmo sofrendo e lutando contra si mesma. É tão triste pensar nisso, e no quão injusto é, no fim das contas. Mas as coisas são como são, e não me restou nada senão fazer cafuné e confortar ela pela última vez, como nos tantos momentos bons e ruins que a gente passou. 


Além das incontáveis fotos e registros, guardo cá comigo um caminhão de lembranças e costumes, desde o acordar e espiar pra ver onde ela tá; dela sempre saber quando eu tava na cozinha, mesmo longe - e surda, haha; de achar estranho quando a gente não aparecia e ir de porta em porta, dando longas fungadas e resmungando como quem dissesse, "ei, cadê vocês? apareçam!"; de soprar na cara dela pra "informar" o que eu tinha comido; das presepadas impossíveis em que ela conseguia se meter; da escolta até o portão e da espera até a gente voltar, mesmo com dificuldade de andar; de coçar os ouvidos e limpar as remelas; das bocadinhas e roncos durante o sono e, especialmente, da inesquecível gratidão e carinho naqueles olhos graúdos, toda vez que eu ia arrumar o ninho e cobrir ela pra dormir, com um cafuné longo e um abraço. É por essas e várias outras coisas que sinto e vou sentir tanta falta do "Ninão", da 'Ninúsfera", da "Nina tic tic"... pois todo canto do nosso canto era canto dela, também. Seguir com a rotina e se dar conta da ausência em cada momento dói demais... Ela se foi, mas era tão parte de mim... Meu cérebro ainda não se desconectou e me faz ouvir o "tic tic" das unhas dela, anunciando a chegada. Por algum tempo, sempre que abrir a porta, ainda vou esperar por ver aquele focinho. Ah, saudade... ~.~


sábado, 25 de outubro de 2014

Tilda, Tildoca

Estranho pensar que se passaram dois meses desde a última publicação...Gente, como o tempo voa, e esse ano passou a mil! Falo passou porque já estamos cheirando Novembro, o Natal já há algum tempo vem se mostrando nas vitrines e nas lojas de tecido (cada vez mais cedo, assustador! rsrsrs). Quando eu me tocar, já estarei em 2015 mesmo, ainda que na minha cabeça ainda seja sóóó o ano que vem...longe. 
Minha "Tildoca" teve que ficar um bocadinho na fila, entre os afazeres e encomendas, mas desde Setembro decora o meu canto de trabalho, e não há quem chegue aqui e não fique admirando o charme da moça. Inclusive já recebi encomendas! ^^


Levei um tempo pra decidir os detalhes. Entre tantas possibilidades, algo com jeito de Anos 40 me agradava. Daí o cabelo, o modelo do vestido... Optei pelo xadrez enviesado, super charmoso, vermelho, como em diversos itens espalhados pela casa, e os acabamentos ficaram por conta da delicada renda de algodão preta e do tecido e botões em marrom. 

As pessoas volta e meia dizem que, em se tratando de bonecas, elas acabam sempre ficando com a minha cara - literalmente. Claro, gosto de imprimir meus gostos nos detalhes, na composição, mas não penso nisso como um reflexo de minha pessoa, visualmente. Acho até engraçado, mas, se acontece, é inconsciente mesmo, ou natural, já que algumas referências estéticas eu acabo incorporando pro meu próprio visu ^^, hahaha. Como diz minha irmã, "pois e agora?"

Foi gostoso de fazer, mesmo depois de tanto tempo só namorando as Tildas alheias. :P Como fiz a roupa fixa ao corpo, algumas etapas foram um pouco mais cricris, pelo manuseio da madame comprida, rs, pela aplicação da gola e do busto que tiveram que ser ajustados, muito em função do tecido enviesado, que ficou mais elástico, solto...aí o jeito foi ir pregando e colocando no lugar. Por isso mesmo, apesar de o corpo e parte do vestido terem sido feitos na máquina, foram diversos acabamentos e aplicações à mão. 

Ela é cheia de curvas e refinada. Saca só a lingerie da moça! ;-D

É isto por hoje. Que acharam? Espero que curtam a moçoila tanto quanto eu! :)

Bitocas!

 

domingo, 20 de julho de 2014

Era uma vez [n]o mundo craft...

Lá em meados de 2005/2006, quando comecei a me engraçar pelo mundo do artesanato, das costuras e dos bordados, o material ainda era escasso na internet, em termos de tutoriais e passo a passos. Lembro que pra coisas relativamente simples, como técnicas de bordado, ainda era mais fácil se inscrever em cursos na própria cidade, nem sempre lá muito acessíveis. Doutra forma, restava comprar livros importados e caríssimos ou, no máximo, algumas poucas apostilas disponíveis online. Em tempos de internet ainda discada, não havia muito material em alta resolução. Ainda assim, já era possível garimpar material pelos sites e blogs afora, com alguma dica aqui e outra ali, enquanto que outros guardavam os segredos a 7 chaves. Lembro de ficar olhando aquelas fotos e matutando sobre qual era a lógica e tentando descobrir os pulos de gato...era um desafio! Não demorou muito e a situação mudou, drástica e rapidamente. Muito graças aos sites russos, que trouxeram uma avalanche de e-books, tutoriais e revistas, jorrando "luz" nesse mundo de mistérios, enquanto milhares de blogs e canais do youtube acompanharam a tendência e, aos poucos, foram se especializando nos passo a passos, compartilhando dicas supimpas que deixavam a gente com cara de "como não pensei nisso?". Uma onda de novidades sobre técnicas, estéticas, tendências e modices invadiu a nossa praia. O único precedente, creio eu e fiquem à vontade pra me corrigir, talvez fossem os poucos e segmentados festivais e ateliês especializados em Patchwork que já haviam no Brasil. Mas o artesanato, de um modo mais amplo e pra quem não tinha saído do país nem dinheiro sobrando, jamais seria o mesmo. Logo se converteria em "mundo craft" pelas bandas de cá (eu mesma "caí" nessa e batizei minha linha de produtos de LindyCrafts...é, haha). Nem mesmo as barreiras linguísticas das instruções em japonês, o familiar inglês ou o totalmente estranho russo puderam conter esse tsunami de novas tendências.
Ainda bem no início, as referências que tiveram maior impacto na minha forma de ver e fazer artesanato, especialmente a costura e a confecção de acessórios, foram as revistas de patchwork japonesas. Se nas propostas mais simples elas já eram de deixar qualquer um boquiaberto pela delicadeza e bom gosto, eram arrasadoras nos projetos mais complexos - com pouquíssimo uso de máquina de costura, vale salientar, o que tornava tudo ainda mais surpreendente. Paralelamente, outra referência que ganhava apaixonadas à primeira vista foi a hoje mais que difundida boneca "Tilda". Eu poderia publicar uma foto qualquer aqui, mas como fico em dúvida sobre qual escolher, recomendo "googlear" ou visitar o site e explorar à vontade: www.tildasworld.com). O universo das bonecas carismáticas, de pernas e braços longos, cabelinho peculiar, rosto e linhas simples, porém de absurda elegância, impressionou uma legião de "crafteiras" mundo afora. O conceito de boneca de pano também não seria mais o mesmo e, convenhamos, é difícil não cair de amores! 
Foi e ainda é notável como a nossa forma de fazer artesanato e mesmo a nossa forma de decorar, combinar tecidos, em boa parte, mudou e se moldou drasticamente com o descortinar desses novos universos. Por um lado, uma mescla positiva e, logicamente, rica. Por outro, o inverso. Olhando por alto, a impressão que tenho é de que as "criações" ficaram, de modo geral, muito parecidas, meio pasteurizadas, com mais e mais do mesmo. Mas talvez seja apenas a globalização chegando ao mundo do artesanato, rsrs.
Entre os ensinamentos mais marcantes, vindo tanto por parte das habilidosas japonesas - que parecem poder escolher qualquer coisa e recriar das formas mais lindas e inimagináveis - quanto da Tone Finnanger, criadora do universo Tilda, foi o de buscar refinamento, uma espécie de perfeição e riqueza mesmo na maior das simplicidades, sem deixar de se levar pela imaginação. Parece óbvio, parece fácil... mas é mesmo? 
No caso da Tone (e suas Tildas, que já venderam mais de 1 milhão de exemplares), ela soube explorar as formas, as cores, estampas e técnicas de forma tão especial e imaginativa que eu, por muito tempo e estranhamente, sequer quis me meter a confeccionar ou recriar qualquer uma de suas doces criaturas (vale lembrar, elas vão muito além da boneca compridona, passando pela releitura mimosa de animais, insetos e por damas rechonchudas que vão à praia, sem vergonha alguma de mostrar suas curvas ^^). Me contentei esse tempo todo em admirar, apenas... Mesmo com os e-books, tinha uma profunda vontade de por as mãos em um exemplar que fosse, pra poder encher os olhos a cada folheada. Há alguns meses, acabei dando de cara com esse exemplar aí embaixo. Enfim, criei vergonha e levei pra casa. Mesmo assim, acreditem, fiquei só no olho, rsrsrs. 

Essa semana rolou um curso ao vivo no site da EduK - outra recente e ótima alternativa pra fazer cursos em casa, pagos ou mesmo gratuitos - com a Lu Gastal, todinho sobre a boneca. Acompanhei as primeiras aulas, o que serviu de empurrãozinho para, finalmente e meses depois, eu parar de resistir e me deixar levar um bocadinho pela magia da Dona Tilda, que só ficava me esgueirando da prateleira, lembrando que eu a tinha abandonado. Meu primeiro "perrengue", por assim dizer, foi tirar o molde. Sequer tenho copiadora/impressora, e não queria esperar pela próxima ida ao centro pra resolver isso. Tampouco uso papel carbono ou manteiga (embora mesmo que tivesse eu provavelmente não ousaria riscar o livro...sou chata com essas coisas, haha). O jeito foi recorrer às técnicas fundamentais e "primitivas", porém não menos divertidas: papelão (um dos calendários que peguei no supermercado, já com segundas intenções que não a de me situar nas datas e luas, haha), lápis, régua e olhômetro. 
Algumas partes não ficaram exatamente iguais, especialmente as curvas, mas não se perderam na essência, muito menos nas proporções (falando nisso, ela é enorme!!!). Em algumas, ajustei a simetria na hora do corte e pronto: habemus moldes! \o/ 
Obs.: foi bom "brincar" de desenhar de novo, coisa que eu fazia tanto quando era pequena. A gente acaba ficando tão viciado nessa de teclado e touch screen que a sensação é a de que a mão entrega a atrofia só em segurar o lápis ou a caneta, rsrs.

Aproveitando o ensejo, resolvi tirar o molde do anjinho gorducho que vem no mesmo exemplar e que, por acaso, me fez lembrar dos Teletubies. Pelo tanto de curvas e tric trics, resolvi recorrer à outra velha tática, removendo o vidro de um porta-retratos e usando ele de espelho pra guiar o traço. Uma maravilha! (alguém se lembra dos kits de desenho similares que vendiam nas escolas nos anos 80? Eu adorava aquelas traquitanas...aiai).

Organizando os moldes: eu guardo meus moldes todos numa gaveta bem estreitinha. Considero-a apropriada e suficiente, porém ela não permite grandes volumes, como o de muitos envelopes, por exemplo. Então, improvisei duas opções de fricote, práticas e sem ocupar espaço extra: 
a) Bolsinho super básico pro rosto do anjinho... 

b)pra Tildona, o bom perfurador e um belo laçarote, pra membro algum se perder nessa vida! ^^

Voilà!

Vou ficando por aqui, mas o desfecho dessa saga particular e inconclusa fica pro próximo post. Até! ;-)